Wednesday, February 28, 2007

Tape This

As cassetes tinham valor, lembram-se? Aquelas com duas cabeças, que deixávamos sempre prontas no rádio, à espera da música perfeita ou do silêncio do locutor. E tinham mais valor ainda quando feitas com cuidado, com o tempo necessário que se entrega a outro, as músicas bem estudadas e organizadas, postas em lista a começar em 1. e a acabar em 18., metade para um lado e metade para outro. E depois a dedicatória, estudada ou com naturalidade, conforme o amigo a quem se entregava o tesouro.
Eram bonitas como só elas, transparentes ou pretas, passando ainda pelas brancas, sempre com uma fita que se podia colar e sobre ela escrever – vários 7. Havia ainda a angústia do fim das cassetes, e agora gravo por cima ou deixo passar a música?. Acabávamos por arranjar truques enjeitados, dois cortes na fita cola e as cabeças tapadas, cassetes antigas passavam a novas, as gravações renovavam-se e renovavam-se. Como o tempo que passava.

E agora podia continuar e continuar, prosseguir nestes beliscões à memória da puberdade, em que o crescimento da pilha de cassetes acompanhava o crescimento dos pelos e do acne. Falar do Elton John a cantar distorcido, misturado com riffs de Slash dos Guns n’ Roses, que colava ainda com uma música da moda como aquela dos Inner Circle, voltando outra vez ao bom gosto e chamando o I Get Around, sonhos de praia no inverno. E depois descobrir os Cure, encostá-los aos Queen e conhecer de trás para a frente o album Teaser and The Firecat, do barbudo que agora é Yusuf mas naquele tempo ainda era Cat Stevens.
Não, não vale a pena continuar. Mas vale mesmo a pena deixar este cheirinho bom, de corpo na alcatifa, uma criança deitada e muita música à volta, gravar ainda compact discs para cassetes, descobrir músicas de pais e encontrar sons mais de presente. Agora de passado.

A propósito de música, só para terminar, fica uma lista. Como se escrita à mão nas costas de uma cassete:

Música boa para andar de janela aberta: Gorillaz, Feel Good Inc.

Música boa para se ser enterrado: Iron & Wine, The Trapeze Swinger

Música boa para fazer amor maroto: Gainsbourg and Birkin, Je t’aime moi non Plus

Música boa que afinal é cover: Jarvis Cocker, I Just Came to Tell you That I’m Going

Música boa para o sofrimento auto-inflingido: Nick Cave & the Bad Seeds, Into My Arms

Música boa para curtir o amor do outro: Paul McCartney, Maybe I’m Amazed

Música boa para assumir um gosto duvidoso: Aventura, Un Beso

Música boa para sempre e mais nenhuma: The Beach Boys, God Only Knows

Música boa para o mundo todo parecer sexy: Biolay et Chiara Mastroianni, Dance Rock n’ Roll

Música boa para grandes decisões: Changes, David Bowie


Mais vale parar, ou fico aqui até amanhã. Ai a música. Reflexiva e produtiva.
Amanhã há mais.

1 comment:

Berliner said...

acho que vou gravar esta lista, mas para cd!!