Eram bonitas como só elas, transparentes ou pretas, passando ainda pelas brancas, sempre com uma fita que se podia colar e sobre ela escrever – vários 7. Havia ainda a angústia do fim das cassetes, e agora gravo por cima ou deixo passar a música?. Acabávamos por arranjar truques enjeitados, dois cortes na fita cola e as cabeças tapadas, cassetes antigas passavam a novas, as gravações renovavam-se e renovavam-se. Como o tempo que passava.
E agora podia continuar e continuar, prosseguir nestes beliscões à memória da puberdade, em que o crescimento da pilha de cassetes acompanhava o crescimento dos pelos e do acne. Falar do Elton John a cantar distorcido, misturado com riffs de Slash dos Guns n’ Roses, que colava ainda com uma música da moda como aquela dos Inner Circle, voltando outra vez ao bom gosto e chamando o I Get Around, sonhos de praia no inverno. E depois descobrir os Cure, encostá-los aos Queen e conhecer de trás para a frente o album Teaser and The Firecat, do barbudo que agora é Yusuf mas naquele tempo ainda era Cat Stevens.
Não, não vale a pena continuar. Mas vale mesmo a pena deixar este cheirinho bom, de corpo na alcatifa, uma criança deitada e muita música à volta, gravar ainda compact discs para cassetes, descobrir músicas de pais e encontrar sons mais de presente. Agora de passado.
A propósito de música, só para terminar, fica uma lista. Como se escrita à mão nas costas de uma cassete:
Música boa para andar de janela aberta: Gorillaz, Feel Good Inc.
Música boa para se ser enterrado: Iron & Wine, The Trapeze Swinger
Música boa para fazer amor maroto: Gainsbourg and Birkin, Je t’aime moi non Plus
Música boa que afinal é cover: Jarvis Cocker, I Just Came to Tell you That I’m Going
Música boa para o sofrimento auto-inflingido: Nick Cave & the Bad Seeds, Into My Arms
Música boa para curtir o amor do outro: Paul McCartney, Maybe I’m Amazed
Música boa para assumir um gosto duvidoso: Aventura, Un Beso
Música boa para sempre e mais nenhuma: The Beach Boys, God Only Knows
Música boa para o mundo todo parecer sexy: Biolay et Chiara Mastroianni, Dance Rock n’ Roll
Música boa para grandes decisões: Changes, David Bowie
Mais vale parar, ou fico aqui até amanhã. Ai a música. Reflexiva e produtiva.
Amanhã há mais.