Entras dentro dele a primeira sensação é incómoda. Falta de hábito, digamos antes. O travão de mão é do lado esquerdo, estamos habituados a que tudo seja mais direito. O vidro é curto e inclinado, os pés devem estar bem perto dos pedais. E o volante é pequeno, feito à medida de cada mão. E eu que ia jurar que tinha sido feito para mim.
Segunda sensação realmente incómoda está lá em baixo, na dureza dos pedais a partir dos quais aceleras com calma. E a terceira sensação estranha é a baixeza do animal. É mais que rente ao chão, o que implica uma atenção ainda mais atenta. Não vá o asfalto arranhar o menino.
Mas lá vais andando, devagarinho, tentando ganhar hábito àquilo, tentando pegar naquilo, tentando não largar aquilo. Tens unhas e dentes para agarrar o animal, que aqui ainda é menino. Começas a perceber que aquilo vai ser bom mas que ainda não é bom, que por enquanto é só estranho e talvez até incómodo. Vais-lhe tocando devagarinho, a medo, para não magoar.
Vais andando. O devagar existe até que comeces a sentir-lhe o corpo, a perceber-lhe as manhas. E para isso tens que correr a cidade, de um lado outro, enfrentando os olhares alheios e a inveja do vento. Pouco antes de um curva percebes que o carro da frente não quer mais andar para a frente, ou, se quer, quer fazê-lo a ritmo de domingo. Espreitas se vem alguém, porque estranhamente aqui pensas muito mais em segurança que em qualquer outro carro. Hum, vem ali. Hum, mas não vem assim tão perto. Hum, deixa lá ver. Zuum, zuum. Pimba. Já lá estás. Passaste o carro da frente, em segundos que não se contam porque nem existem, em milésimos, num som de arranque perfeito. A tua cabeça andou mesmo para trás, arrastada pela gravidade da velocidade, ficou encostada ao banco enquanto as mãos fizeram mais força.
Estás mais à vontade. Começas a perceber o que tens nas mãos.
Deixa experimentar a auto-estrada. Não é a ideal porque é curta, mas deixa experimentar.
Passas um, passas o outro, entras directamente para a faixa da esquerda.
Acelera.
Mais.
Com mais força.
A cabeça toda para trás, as mãos que apertam o volante como se apertassem outro corpo, os músculos tensos e os olhos bem abertos. Um ritmo cardíaco que passa os níveis normais, a atenção dobrada e desdobrada em mil, como se não houvesse mais nada, como se o mundo fosse só uma estrada e um carro, como se aquele som fosse melhor que qualquer música. O som não se diz nem se explica, só se sente. Sente-se bem no fundo da barriga, quase como se alguém a falar-nos ao ouvido numa noite de Verão. Na cama, claro.
Não olhas para o conta quilómetros porque não há tempo, mas quando te lembras que existe um código nesta estrada deixas cair o olhar e vês os números digitais que passam dos 200 km/h, pensas que é melhor ter mais calma, mas pensas como ele vai sereno, como aqui não treme nada nem foge um mílimetro. Deixas-te ficar um bocadinho por ali, por aquele número ou perto dele, há uma sensação que te corre o corpo todo, passa pelas pernas e sobe até lá acima, sentes o sangue todo a passar nas veias, e queres gritar gritar gritar, num grito prolongado e de prazer, a um ritmo lento e sem controlo. Quase como se....
Chegas a casa e pensas que são poucas as vezes que um homem ou uma mulher podem sentir, sozinhos, um momento comparável àquele que todos sabemos que é o melhor. E estás cansado como depois de um momento desses, mas com um sorriso parvo na boca como depois de um momento desses.
Eu guiei um Aston Martin. Eu guiei um Aston Martin Vantage. E isso já ninguém me tira.
Tuesday, May 22, 2007
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6 comments:
...eu tb gostava.... :(
SACANA :) (sou amigo da berliner)
será que o Martin também provoca esses impulsos na berliner?
N.
tens muita graça tens ou N.
Todos temos uma Puta dentro de nós.
Uns mais que outros.
Confirma-se.
A ver se passaste cá por casa só p´ra mostrar o bicho...
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